O Valor do Sofrimento

“E o Senhor estava com José, e foi homem próspero” Gênesis 39.2

 

“Escrevo a todas as Igrejas e insisto junto a todas que morro de boa vontade por Deus, se vós não me impedirdes. Suplico-vos, não vos transformeis em benevolência inoportuna para mim. Deixai-me ser comida para as feras, pelas quais me é possível encontrar Deus. Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras, para encontrar-me como pão puro de Cristo. Acariciai antes as feras, para que se tornem meu túmulo e não deixem sobrar nada de meu corpo, para que na minha morte não me torne peso para ninguém. Então de fato serei discípulo de Jesus Cristo, quando o mundo nem mais vir meu corpo. Implorai a Cristo em meu favor, para que por estes instrumentos me faça vítima de Deus. Não é como Pedro e Paulo que vos ordeno. Eles eram apóstolos, eu um condenado; aqueles, livres, e eu até agora escravo. Mas, quando tiver padecido, tornar-me-ei alforriado de Jesus Cristo, e ressuscitarei n’Ele, livre. E agora, preso, aprendo a nada desejar.

Oxalá goze destas feras que me estão preparadas; oro que se encontrem bem-dispostas para mim: hei de instigá-las, para que me devorem depressa, e não aconteça o que aconteceu com outros que, amedrontadas, me não toquem. Se elas por sua vez não quiserem de boa vontade, eu as forçarei. Perdoai-me: sei o que me convém; começo agora a ser discípulo. Coisa alguma visível e invisível me impeça que encontre a Jesus Cristo. Fogo e cruz, manadas de feras, quebraduras de ossos, esquartejamentos, trituração do corpo todo, os piores flagelos do diabo venham sobre mim, contanto que encontre a Jesus.”

Trecho da carta de Santo Inácio de Antioquia aos Romanos.

Não devemos almejar o sofrimento. Seríamos loucos se o fizéssemos. No entanto, o fim supremo e principal do homem deve ser glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. Portanto, desejar padecer sofrimentos quando isso torna evidentes a majestade, a glória e o, consequente, estabelecimento do reinado de Cristo em nós é fundamental. Abraçar o sofrimento é compreender que a existência está para além de nós mesmos e que seu poder manifesto em Graça se aperfeiçoa na fraqueza, revelando nossa limitabilidade, imerecimento e finitude. É revelar que somos apenas prismas, refratando o brilho da luz inerente àquele que possui em si a Glória do início e do porvir. É nos constranger a desenvolver seu caráter em nós, impulsionando-nos ao mesmo sentimento que houve em si mesmo ao abraçar a cruz e beber o cálice da ira.

José, por exemplo, foi vendido como escravo por seus irmãos e, posteriormente, já na casa de seu senhor – Potifar –, acusado por sua mulher de estupro, sendo levado injustamente ao cárcere. Certamente não foi fácil. Porém José compreendeu que suas adversidades não deveriam falar sobre quem ele era, mas sobre quem Deus era em sua vida. Deus está presente em nossas dores e lutas. Por mais difícil que pareça, seus ouvidos estão sensíveis, e suas mãos, estendidas. A despeito das circunstâncias adversas, a mão de Deus estava sobre José em todo tempo. Sua prosperidade se baseava na presença de Deus e não nas conjunturas da vida. O objetivo de Deus não é nos conceder a felicidade que o mundo dá. Ele deseja que aprendamos a desfrutar das dores, lutas e perseguições por amor de Cristo e, assim, nos tornemos como Cristo em morte, para que possamos viver com ele e gozarmos de vida plena ainda que em morte. Nosso lugar não é aqui, e os sofrimentos do mundo presente não podem ser comparados com a Glória que nos há de ser revelada.